DEPOIS DO FIM

Ex-integrantes do Babado seguem
engajados na luta por direitos

Com diferentes trajetórias, colunistas ainda têm em comum o trabalho pela transformação social

27 nov. 2023

O último número do Babado, jornal LGBT+ pioneiro de Campinas, começava a circular pelas saunas e boates do município e arredores em junho de 1998. Com a ruptura repentina entre os membros da equipe editorial da publicação, e o consequente fim do grupo Expressão, responsável pela produção do periódico, os integrantes do projeto seguiram caminhos diversos. Porém, suas trajetórias continuaram dedicadas à militância e à luta por direitos.

Maria Helena de Freitas, 56, Paulo Mariante, 60, e Paulo Reis, 66, foram os primeiros membros dissidentes do Babado, como resultado da insatisfação com a edição em homenagem ao Dia da Mulher naquele ano. Eles foram os fundadores do grupo Identidade, surgido em 1998 e hoje o coletivo ativista dedicado à causa LGBT+ mais antigo de Campinas.

A organização não governamental foi criada com o intuito de oferecer uma rede de apoio que abraçasse toda forma de diversidade sexual e de gênero reconhecidas na época, característica ausente na prática do dia a dia do grupo Expressão.

“O grupo Expressão era totalmente voltado ao Babado. Nós saímos juntos para formar o Identidade nessa pegada mais política. A ideia do Identidade era fazer discussões mais sérias, sair desse mundo de boate e fazer militância de verdade, lutar por direitos”, relembra Maria Helena.

Mesmo com os esforços em prol de um espaço mais receptivo, desponta do Identidade, nos anos 2000, o Mo.Le.Ca (Movimento Lésbico de Campinas), criado por mulheres do grupo que desejavam ter uma organização dedicada exclusivamente à temática lesbiana. Da fundação dessa nova associação, fizeram parte Maria Helena de Freitas e Regina Bottari, as únicas mulheres lésbicas a compor o time do Babado.

“A discussão viva do momento era incluir as lésbicas e trazê-las para a militância, o que era muito difícil. No próprio Identidade comecei a conhecer outros grupos, grupos de lésbicas militantes, e elas foram me convencendo que tínhamos que formar um grupo só de mulheres, ou pelo menos ter um núcleo só de mulheres dentro do Identidade, até que nós acabamos formando o Mo.Le.Ca, estrito para nós”, explica Maria Helena.

Bibliotecária por formação, Maria Helena exerceu a função no Ministério Público da União de 1997 até 2009. Nesse período, em 2006, a ex-integrante do Babado foi transferida de Campinas para Brasília, no Distrito Federal. Por conta disso, se afastou das atividades do Identidade e do Mo.Le.Ca, passando a se dedicar unicamente ao seu cargo público. Mais tarde, em 2009, passou a trabalhar no Senado Federal, até se aposentar em 2022.

Na capital federal

Amigas desde os tempos do Babado, os caminhos de Maria Helena e Regina se cruzaram novamente na capital brasileira, cidade onde ambas vivem hoje, visitando periodicamente as casas uma da outra. Em meio à ebulição dos conflitos na redação do jornal e ao esmorecimento da publicação, Regina acabou se afastando do projeto, e da militância LGBT+ como um todo. A razão, no entanto, não foi a crise no Babado, mas sim uma namorada, que sentia vergonha da exposição da parceira nas páginas do periódico.

“Ela não gostava da Regina do Babado. Então, eu tive que ir me afastando, e isso foi um erro que eu cometi. Nunca façam isso, nunca deixem de fazer suas coisas por ninguém, porque não vale a pena”, adverte.

Especialista em logística, a ex-integrante do Babado continuou trabalhando na área após o fim do jornal. Em 2007, conheceu sua atual esposa, Mariana Tavares, com quem passou a construir uma história de amor a 914 km de distância, entre Campinas e Brasília. Essa, inclusive, foi a razão para se mudar para a capital federal em 2010. Hoje, Regina é dona de uma empresa de comida natural para cães, além de se dedicar à causa animal na ONG SHB Animal.

Acostumado a grandes mudanças, Eduardo Gregori, 54, ex-editor do Babado e jornalista por formação, reside atualmente em Lisboa, Portugal, onde atua como representante LGBT+ da Accenture, uma empresa multinacional de serviços e consultoria de Tecnologia da Informação. A luta pela igualdade de direitos para as pessoas LGBT+ continua sendo prioridade para ele:

“A gente precisa ser tão visível para ser invisível. Estar no meio de todo mundo para ninguém falar, ‘Meu deus, o que é aquilo ali?’”, pontua.

Depois de criar um blog gay intitulado Basfond, com o fim do Babado, o comunicador passou pelo Correio Popular, jornal tradicional de Campinas, no qual criou um site voltado à comunidade LGBT+, o Espaço GLS. Gregori participou ainda de outros veículos de comunicação campineiros, tendo produzido textos pontuais também para sites como o Mix Brasil e o Viaja Bi.

Assim como seus colegas, quem também seguiu se dedicando à causa LGBT+ foi Paulo Reis, um dos fundadores do Identidade. Nos anos 2000, o grupo participou de uma ação na Assembleia Legislativa na qual reivindicou que um espaço de acolhimento para pessoas LGBT+ fosse criado em Campinas. Em 2003, a cidade ganha o Centro de Referência LGBT+, e Reis assume a coordenação da instituição, onde ficou até 2016. Nesse período, Reis sentiu que trabalhar do lado da militância e do governo ao mesmo tempo havia se tornado um conflito de valores. Por isso, optou por continuar se dedicando exclusivamente ao seu cargo público.

Seu trabalho no Centro de Referência fez ainda com que Reis fosse buscar mais conhecimento teórico sobre o que fazia. Por isso, em 2004, começou a cursar um mestrado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), focado na construção identitária das travestis. No doutorado, pesquisou sobre as práticas sexuais não hegemônicas. Em 2023, finalizou seu pós-doutorado, no qual pesquisou as vivências de mulheres trans em situação de rua durante a pandemia.

Ao contrário da maioria dos ex-membros do Babado, Paulo Mariante, continua ativo na luta pelos direitos LGBT+ em Campinas, ainda atuando no Identidade mais de duas décadas depois de participar de sua fundação. Além disso, já aposentado do cargo público, segue trabalhando como advogado autônomo, com foco em causas de militância.

Na imagem vê-se Eduardo Gregori, ex-estiagiário e editor-chefe do Babado, em uma captura de tela de uma entrevista concedida à reportagem. Nela, um homem branco de cabelos curtos e grisalhos sorri. Ele usa fones sem fio brancos, um óculos preto de armação grossa e uma camisa escura estampada com estátuas. Ao fundo, há uma prateleira com figuras do filme Star Wars.
Na imagem vê-se Maria Helena de Freitas, ex-colunista do Babado. Com cabelos curtos grisalhos caindo sobre a testa e um óculos redondo, ela sorri. Atrás de Lena há uma estante repleta de livros.
Na imagem vê-se Paulo Mariante, membro fundador do grupo Expressão que também contribuiu para o Babado. Sentado em uma cadeira de plástico de bar, ele veste uma camiseta preta a favor da reforma psiquiátrica. O advogado possui cabelos longos presos em um rabo de cavalo baixo e por uma tiara preta. Ela também usa óculos e possui uma barba grisalha. À sua frente, segura as mãos enquanto fala.
Na imagem vê-se Paulo Reis, ex-colunista do Babado. Ele senta-se a uma mesa de madeira, apoiando seu rosto em uma de suas mãos. Com barbas brancas, ele usa um par de óculos e uma blusa de manga comprida.
Na imagem vê-se Regina Bottari, a primeira mulher a fazer parte do Babado, sorrindo. É uma mulher branca que usa óculos grandes e tem cabelos grisalhos curtos.
Na imagem vê-se Jairo Silva, cofundador do Babado e ex-editor do jornal. Jairo é um homem negro sorridente. Seus cabelos estão descoloridos na imagem.
Na imagem vê-se Fernando Tambolado, cofundador do Expressão e do Babado. É um homem branco com cabelos longos pretos presos em um rabo de cavalo baixo. Vestindo uma blusa branca e óculos retangulares, ele está de perfil sorrindo.

Entre a crítica e o orgulho

Na sala de seu apartamento em Campinas, Paulo Mariante, apesar de ter ressalvas sobre como o Babado deixou de lado a militância, motivo inicial de sua criação, pela cobertura das noites gays, se lembra de como o jornal foi precursor do movimento LGBT+ da cidade. “O Babado teve um impacto, do meu ponto de vista, muito importante. Significava, entre outras coisas, dizer que nessa cidade tinha um grupo que não estava dentro do padrão da heteronormatividade e que estava ocupando espaço”, diz.

Eduardo Gregori, por sua vez, recorda os tempos de sucesso do Babado entre os frequentadores de boates gays campineiras e da região, que queriam ver seus rostos estampados nas páginas coloridas da publicação. “O mais engraçado é que as pessoas gostavam porque, trabalhar no Babado dava um status na noite, sabe? É mais ou menos como se você fosse um influencer hoje”, relembrou com um sorriso no rosto.

Mas, para Regina Bottari, a crescente fama da equipe do Babado, foi, ironicamente, a razão de sua queda. Segundo ela, a publicação e seus editores esqueceram que estavam associados a um grupo de militância e deixaram-se levar pelo glamour e pela “purpurina”.

“A vaidade e a criatura suplantaram o criador. O Babado veio de uma forma descontraída, de uma forma bonita, de uma forma quase poética, e de uma forma muito atrevida, porque nós éramos muito atrevidos. Mas a gente se deixou levar por essa imagem de sermos o Babado. Da maneira que ele foi conduzido, se ele não tivesse acabado naquela época, ele iria acabar depois. Ninguém consegue sustentar um sucesso por tanto tempo só com um brilho no olhar”, relembrou.

Apesar dos problemas, os ex-integrantes do jornal reconhecem o trabalho importante feito na época. “Mesmo hoje, com todo o tempo que passou, quem pegasse uma edição do Babado”, analisa Mariante. Da mesma forma, para Regina, os erros não apagam os bons momentos. “O Babado me ensinou muita coisa, o grupo Expressão me ensinou muita coisa. A convivência com todos esses amigos, alguns deles que já se foram, é uma grande saudade. Recordar tudo isso, deu uma sacudida aqui dentro, mas eu só tenho a agradecer. Eu faria tudo de novo”, finaliza.