Durante seus dois anos de duração, o Babado, jornal LGBT+ pioneiro em Campinas, deixou claro que não abrangia todas as letras da sigla. Nesse período, apenas duas mulheres lésbicas fizeram parte da redação: Regina Bottari, a primeira a se juntar ao grupo, e Maria Helena de Freitas, amiga recrutada para ajudá-la a quebrar barreiras.
Minoria dentro da equipe editorial, as duas precisaram lidar com recorrentes comportamentos machistas e lesbofóbicos de seus colegas homens. Paulo Reis, 66, e Paulo Mariante, 60, também redatores do Babado, concordam que o ambiente não era amigável para as mulheres. Segundo eles, parte dos membros da redação defendia que o público do jornal era estritamente masculino. “Minha impressão é que pelo fato de Regina ser a única mulher lésbica, na época, ela acabava ficando pouco estimulada a fazer esse embate [contra os homens]. Eles sempre tinham esse argumento de: ‘O público do jornal gosta disso’”, afirma Mariante.
No podcast abaixo, Regina e Maria Helena falam sobre as vivências das mulheres do Babado em uma redação predominantemente masculina, lutando contra o preconceito de seus colegas. A transcrição completa do episódio também está disponível.
De frente com o machismo
Mesmo com a entrada das amigas, a forma como o jornal representava as lésbicas continuou preconceituosa. Um dos maiores exemplos é o texto “As Caminhoneiras”, de 1997, que ofende a comunidade das mulheres gays, reproduzindo estereótipos e violências de gênero. No entanto, nessa mesma edição, Maria Helena escreveu um texto em que destacava a pluralidade da comunidade lésbica e a luta dessas mulheres contra o preconceito. No texto intitulado “Excluídas dos Excluídos”, ela dizia: “Como todo grupo, nós temos também o nosso arco-íris. Há mulheres homossexuais de toda forma, cor e personalidades (para todos os gostos)”. Veja a transcrição dos textos abaixo.
O texto de Lena foi um dos motivos para que os integrantes do Babado levassem o número para um bar frequentado predominantemente por mulheres lésbicas. O responsável por entregar os exemplares foi Paulo Mariante. Ele relembra que, quando as mulheres abriram o jornal e leram o artigo “As Caminhoneiras”, elas pediram para que ele saísse do estabelecimento.
Um ano depois, em 1998, a lição ainda não havia sido aprendida. A edição de março, mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, trazia um texto escrito por Regina Bottari intitulado “Femme Fatale, os homens e eu”. Nele, denunciava o tratamento que recebia dos colegas do Babado e ainda revelava que seus textos eram barrados no início de sua trajetória no jornal. “Aprendi que gay é tão machista quanto qualquer bofe, a essência masculina é imutável”, escreveu. Apesar das denúncias e acusações, o texto terminava de forma amigável, com Regina dizendo que era respeitada e até “mimada.”
A redatora lutou ainda para que a capa desse número fosse estampada por duas lésbicas se beijando, algo inimaginável para a época. Com muita relutância, a ideia foi aceita, mas, no dia em que a edição seria impressa, parte dos homens da redação mudaram a capa, descumprindo o combinado. Como resultado, o jornal estampava uma única mulher em destaque, em pose compenetrada. O que deveria ter sido uma vitória para as mulheres trouxe mais desarmonia na equipe, levando à debandada de alguns integrantes, insatisfeitos com o periódico.